*** NIJU KUN: 1- Não se esqueça que o Karate deve iniciar com saudação e terminar com saudação; 2- No Karate não existe atitude ofensiva; 3- O Karate é um assistente da justiça; 4- Conheça a si próprio antes de julgar os outros; 5- O espírito é mais importante do que a técnica; 6- Evitar o descontrole do equilíbrio mental; 7- Os infortúnios são causados pela negligência; 8- O Karate não se limita apenas à academia; 9- O aprendizado do Karate deve ser perseguido durante toda a vida; 10- O Karate dará frutos quando associado à vida cotidiana; 11- O Karate é como água quente. Se não receber calor constantemente torna-se água fria; 12- Não pense em vencer, pense em não ser vencido; 13- Mude de atitude conforme o adversário; 14- A luta depende do manejo dos pontos fracos (KYO) e fortes (JITSU); 15- Imagine que os membros de seus adversários são como espadas; 16- Para cada homem que sai do seu portão, existem milhões de adversários; 17- No início seus movimentos são artificiais, mas com a evolução tornam-se naturais; 18- A prática de fundamentos deve ser correta, porém na aplicação torna-se diferente; 19- Não se esqueça de aplicar corretamente: alta e baixa intensidade de força, expansão e contração corporal, técnicas lentas e rápidas; 20- Estudar, praticar e aperfeiçoar-se sempre."

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KARATE ENQUANTO ESPORTE

Douglas Brose (esq.), Tri Campeão Mundial

O karate-do não nasceu um esporte, assim como também não nasceu uma arte marcial. Não nos moldes como o conhecemos na contemporaneidade.

Com história bem mais antiga, diligente e conflituosa, o karate tem origem diferente do judo (arte suave), legítima arte marcial japonesa que possui planejada e estruturada data de nascimento, quando em fevereiro de 1882 o Prof. de Ed. Física Jigoro Kano (28/out/1860 - 04/mai/1938) fundou em Eishoji, Tóquio, capital do Japão, o Kodokan (Instituto do Caminho da Fraternidade), primeira escola de judo da história.

A partir do século XV, em meio a revoltas sociais motivadas pela intenção de tornar o arquipélago Ryūkyū um reino unificado, o karate tem origem remota em Okinawa, ilha mais importante daquele arquipélago, que veio a ser anexado ao Império do Japão somente a partir de 1879.
Arquipélago Ryūkyū ao sul do Japão

Como parte deste processo de unificação político-administrativa preconizado em 1429 pelo então rei Sho Hashi, as províncias de Okinawa foram o berço do desenvolvimento de uma luta desarmada durante e após a proibição do porte de quaisquer tipos de armas, fossem bélicas, folclóricas ou mesmo ferramentas agrícolas como o eku, sai, bō, kama, nunchaku, tonfa, entre outras utilizadas na prática do kobudo (caminho das antigas artes marciais de Okinawa). Sem outra opção, seus habitantes passaram a praticar formas de autodefesa sem armas em meio ao sigilo até da madrugada, utilizando-se do próprio corpo como instrumento. A esse novo método de autodefesa foi dado o nome de Okinawa-te (mãos ou técnicas de Okinawa).
Treinamento ministrado por Shinpan Gusukuma Sensei em frente ao Castelo Shurijo em Shuri, Okinawa, em 1938

Ao observarmos interpretações ocidentais como as de Ferreira (2004) e Tubino (2007), entre outros, identificamos as artes marciais como disciplinas físicas e mentais que codificadas em diferentes graus, estilos e escolas promovem o autodesenvolvimento de seus praticantes. Embora também sejam eficazes meios de autodefesa por meio de técnicas de combate coerentemente sistematizadas, as artes marciais diferem das lutas em geral por possuírem cunho filosófico, finalidade educacional e harmônico desenvolvimento físico, mental e espiritual em seus adeptos.

Consideram-se Artes Marciais aquelas que começaram nas práticas guerreiras da Ásia. Qualquer outro tipo de luta não pode ser confundido com Arte Marcial. Reforçando, uma prática para ser pontuada como Arte Marcial ou Esporte derivado de Arte Marcial precisa ter alguma ligação histórica com os regimes feudais asiáticos. O termo Marcial corresponde ao uso militar dessas lutas, que se desenvolveram ao acrescentar referências em crenças religiosas, antes de se tornarem esportes      (TUBINO, 2007).

Quando o então príncipe herdeiro Hirohito, em viagem a Europa, fez escala em Okinawa em 1921 e assistiu a uma demonstração de karate, conhecido à época como “mãos ou técnicas de Tang/China” a partir da fusão ocorrida séculos antes entre a autóctone luta Okinawa-te e o wushu (kung fu) trazido da China por meio do intercâmbio mercantil marítimo, estabelecia-se a descoberta daquela provinciana luta de Okinawa ao poder político central do Japão.

Estudiosos acreditam que o famoso chinês Kung Siang Chun (Koshokun em japonês) era um enviado chinês durante a dinastia Ming, enquanto que outros citam referências a um marinheiro, sobrevivente de um navio afundado. Ainda outros insistem que Koshokun foi residente da vila de Kumemura por mais de dez anos. Enquanto parece certo que esta pessoa realmente existiu, os registros históricos escritos nos deixam com apenas um fato indisputável: a despeito de quanto Koshokun ou qualquer outro chinês ensinou a respeito de lutas aos nativos de Okinawa, parece não haver dúvida de que eles, que se consideravam de uma casta inferior aos chineses, foram absorvidos pelos fundamentos filosóficos das refinadas artes marciais chinesas, e buscaram associar-se a qualquer coisa que fosse chinesa (HASSELL, 1991).

Aproveitando-se da boa impressão que sua demonstração de karate causara ao Imperador do Japão naquela ocasião, o professor do ensino formal de Okinawa, Gichin Funakoshi, aceitou o convite para apresentar o karate na capital japonesa, o que foi pioneiramente realizado por ele em 1922 quando conheceu o Prof. Jigoro Kano, membro do Comitê Olímpico Japonês e membro do Dai Nippon Butoku Kai (Sociedade da Virtude Marcial do Grande Japão), entidade do Ministério da Educação que regulamentou e reconheceu as antigas lutas japonesas (Bujutsu) em artes marciais modernas (Gendai Budo) durante a Restauração Meiji, que foi um conjunto de ações governamentais que transformaram o Japão feudal em uma sociedade moderna, de acordo com os conceitos ocidentais.

A partir desta parceria e amizade, o okinawano karate propagado em Tóquio por Gichin Funakoshi adequou-se as exigências do Dai Nippon Butoku Kai para que fosse finalmente reconhecido como arte marcial. Dentre estas ações, destacam-se:
  • Adoção de influências metodológicas do judo Kodokan como o uso de uniforme (karate-gi) e faixas coloridas com o intuito de identificar a evolução individual dos alunos de uma mesma turma;
  • Tradução das técnicas individuais e kata (formas padronizadas de sequências de treinamento individual com finalidade do resguardo das técnicas ancestrais) e metodotização do ensino das técnicas do karate praticado em Okinawa sob dialeto uchinaguchi (língua okinawana);
  • Mudança ocorrida em 1935 dos kanji (caracteres) que compunham o termo karate (mãos ou técnicas de Tang/China) para karate-do (caminho das mãos vazias) sem com isto alterar sua pronúncia, o que representava mais fielmente o método de defesa sem armas, além do espírito do karate-do quanto a esvaziar-se a mente e o corpo de todas as vaidades e desejos terrenos, enfatizando assim o aspecto filosófico da arte.
Arte Marcial com Janela Esportiva

Considerando-se que esporte é todo exercício físico específico que tem como objetivos o desenvolvimento físico e a competição, sob regras definidas, entre oponentes a fim de apurar um ou mais vencedores, e que é institucionalizado por uma entidade gestora, que pode ser uma associação, uma liga, uma federação ou uma confederação, que regulamentam por meio de regras o esporte de sua competência, observamos que o karate-do, enquanto arte marcial, teria muito trabalho pela frente para desenvolver-se e, organizadamente, difundir-se enquanto esporte.

Foi graças ao insight de Masatoshi Nakayama, Instrutor Chefe da Nihon Karate Kyokai (NKK - Associação Japonesa de Karate), que um fundamental passo foi dado quando ele, após viagem a China, começou a desenvolver os primeiros ensaios de regulamento para a realização de torneios de karate, ao projetar competições de shiai kata, com base nas avaliações da ginástica artística, e shiai kumite aos moldes do kendo sob o conceito de sundome (controle absoluto). De fato, a primeira competição de karate da história foi realizada em outubro de 1957.
Antes do Mestre Funakoshi morrer, comecei a pesquisar a ideia de desenvolver torneios. Quando perguntei ao Mestre Funakoshi sua opinião, se recusou a comentar. Ele estava preocupado que se os conceitos de torneio se tornassem muito populares, os estudantes poderiam abandonar os princípios básicos e praticar somente para as competições. Ele sabia que nós teríamos as competições e que seriam importantes para a internacionalização do Karate, mas queria isto claramente entendido, que a coisa mais importante seria sempre o treinamento básico. Por isso que enquanto tenho sido o Instrutor da NKK, o treinamento tem sido centrado ao redor dos princípios básicos do Mestre Funakoshi: Kihon, Kata e Kumite. Fortes bases primeiro, torneios depois. 
Eu vi narizes e mandíbulas quebradas, dentes arrancados e muitas orelhas partidas. Eu estava dividido entre a crença que o Karate fosse qualquer coisa que pareça confronto. Com efeito, nosso torneio em 1957 foi o primeiro campeonato de Karate do mundo. Meu grande interesse naquela época era assegurar que o Karate, se déssemos um aspecto esportivo, não perdesse sua essência como arte. Portanto, trabalhei muito projetando a competição de Kata, e norteei as regras nas da patinação e da ginástica. Minha esperança era preservar a essência do Karate-Do como uma arte de defesa-pessoal e abnegação, e para prevenir a excitação de confrontar que provém da transformação do Karate em mero esporte. 
Quando eu for para o céu, espero que Mestre Funakoshi não me bata por introduzir o esporte Karate (...) mas eu não penso que ele esteja magoado. Ele queria que eu expandisse o Karate-Do ao redor do mundo e o esporte Karate tem certamente feito isto.
Masatoshi Nakayama (13/abr/1913 - 15/abr/1987) 

Origem da WUKO/WKF
Após décadas de rápido crescimento mundial, várias competições começaram a atrair atletas de karate de vários países durante a década de 1960.

Os diferentes estilos de karate, a diversidade de regras e a falta de protocolos unificados que governam qualquer tipo de competição indicaram a necessidade de criar um órgão governamental internacional composto por Federações Nacionais de Karate unidas que pudessem começar a abordar essas questões por uma perspectiva global unificada.

Ryoichi Sasakawa, então presidente da Federação Japonesa de Karate (JKF) e Jacques Delcourt, presidente da União Europeia de Karate (EKU), propuseram conjuntamente uma série de reuniões que produziriam não apenas as primeiras regras internacionais amalgamadas para o karate esportivo, mas também o estabelecimento da União Mundial das Organizações de Karate (WUKO) em 10 de outubro de 1970.

Tóquio, Japão, foi o local onde a WUKO foi fundada na mesma semana de realização do primeiro Campeonato Mundial da história. Já em Portland, Oregon (EUA), sediou-se a primeira reunião do Comitê Diretor da WUKO, cujo objetivo era estabelecer as bases para o futuro do karate esportivo, agora unificado.
1º Campeonato Mundial de Karate da História: Tóquio 1970

As Federações Nacionais de Karate, reconhecidas por seus Comitês Olímpicos Nacionais e autoridades esportivas governamentais, logo se tornaram membros da WUKO, tornando-a a mais importante entidade de gestão do karate mundial.

A integração de várias novas organizações durante os anos 90 viu o número de membros da WUKO aumentar para 150 federações nacionais naquela década. Portanto, fez-se necessário um novo nome que refletisse com mais precisão o tamanho e o escopo da organização. O nome da primeira organização internacional que representa o karate esportivo foi assim alterado para Federação Mundial de Karate (WKF) em 20 de dezembro de 1992.
Passados quarenta e seis anos da realização de seu primeiro Campeonato Mundial, finalmente os valores educativos do karate-do encontrariam convergência nos princípios e ideais olímpicos: amizade, excelência e respeito. Foi na 129ª Sessão do COI realizada no Rio de Janeiro, RJ, que o karate foi integrado ao Programa Olímpico dos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.
O lendário Budokan foi palco do karate nos JO Tóquio 2020

Cronologia da Estruturação Esportiva Mundial do Karate
  • 1957: Primeiro torneio de karate da história – Masatoshi Nakayama (NKK)
  • 1959: Fundação da FAJKO – atual JKF
  • 1963: Fundação da EKU – atual EKF
  • 1964: Fundação da JKF – Gōgen Yamaguchi do Goju Ryu foi co-fundador
  • 1970: Fundação da WUKO – Jacques Delcourt (EKU) e Ryoichi Sasakawa (JKF)
  • 1975: PUKO (atual PKF) é fundada nos EUA
  • 1980: WUKO (atual WKF) introduz categorias com divisões de pesos
  • 1981: PUKO (atual PKF) realiza o 1º Campeonato Pan-Americano
  • 1985: COI reconhece a WUKO provisoriamente
  • 1989: SUKO (atual CSK) é fundada no Brasil
  • 1993: WKF aglutina a WUKO
  • 1993: EKF aglutina a EKU
  • 1993: Karate estreia nos Jogos da América Central e Caribe em Ponce, Porto Rico
  • 1994: Karate estreia nos Jogos Asiáticos em Hiroshima, Japão
  • 1995: Karate estreia nos Jogos Pan-Americanos em Mar del Plata, Uruguai
  • 1995: PKF aglutina a PUKO
  • 1999: COI reconhece a WKF em definitivo
  • 2015: Karate estreia nos Jogos Europeus em Baku, Azerbaijão
  • 2016: COI integra o karate ao Programa Olímpico
  • 2021: Karate estreia nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020
22º Campeonato Mundial de Karate - Bremen, Alemanha, 2014


Texto de José Roberto Braga

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